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No livro 'Jardim de Plurais' o amor é a representação de tudo


Que estranha alquimia é essa / que despreza conceitos, / passa por cima de qualquer preconceito / e segue suas próprias leis? / Hoje, não é preciso questionar passado nem futuro / porque hoje o tempo parou... / Hoje... Só hoje...

A leitura desses versos do Poema “Hoje” de Alice Yumi Sakai em seu livro de estreia na literatura, “Jardim de Plurais” nos faz de alguma forma rememorar Florbela Espanca em sua intensidade amorosa e ainda Hilda Hilst com seus poemas sobre a incompletude amorosa em busca de completude. Mulheres que versejaram o amor de maneira aberta, sem peias, assumindo seu sentir em todos os matizes. A medida que prosseguimos na leitura também recordamos, pelo lado masculino, de outros nomes que pensaram o amor: Octávio Paz em seu último livro publicado “A chama Dupla, Ensaio sobre Amor e Erotismo”, e o grande Pablo Neruda de quem a autora publica estrofe de um de seus poemas a título de epígrafe ao livro. São muitos os cultores do amor...

Alice assume a imagem da mulher na condição de sujeito ativo elaborando poemas carregados de feminilidade, desejo e erotismo, em que o amor, a paixão, a dor da rejeição e mesmo a morte do sentimento são suas facetas mais recorrentes. Uma pluralidade de matizes repetimos, desse sentimento que move a humanidade desde sempre, e que por mais que o façamos nem sempre encontramos definição clara:

Amar, / nau à deriva. / Senti-lo é domínio do abstrato, / razão perdida. / Estar só nos altos e nos baixos, / plano de um futuro provisório, / ilusório. / Delírio de bêbado cambaleando nas ideias, / sonhando que ainda possa existir, / nas mãos trêmulas tal qual adolescente, / algo que só existe nos corações puros./ Devaneios, indagações, vertigem, / em compasso de espera há esperança,/ sofrimento de quem vive em descompasso, / pela distância absoluta de almas paralelas. / Como o céu e o mar, / tão azuis e, no entanto, / tão distantes... Poema “Nau frágil”.

A pluralidade de enfoques sobre este sentimento na poesia de Alice foca na realização do desejo, no amor efêmero, ainda que intenso, no amor abnegado ou o incondicional. Alguns versos de erotismo contido, outros de renúncia, outros ainda da mais completa solidão.

Os pés... Os pés cansados, / arrastam num melancólico esforço, / aumentando o desconforto, / descompasso de um tempo que passou / trazendo solidão. / É uma vida inteira que ficou para trás. Poema “Passos lentos”.

Ficamos com a leitura de que o grande protagonista deste livro é o amor tecido ao longo do tempo, trabalhado via sentimento e razão em suas variadas facetas. As mais cruéis delas a da desilusão via traição, ou do menosprezo mas que enseja também o reerguer-se:

E, no meio desse labirinto de mentiras por onde andei, / ainda assim consegui plantar poesia. / Ela floresceu... / Mesmo que tenha sido apenas nos meus sonhos, / foi assim de corpo e alma que / floresceu uma flor chamada amor. Poema “Uma flor”.

Sem duvida o amor é a força motriz da humanidade. Causador de dores, sofrimento, tristeza, agonia, mas também fonte da felicidade suprema, um caminho para se chegar “à divindade” do existir. Já falamos de de Octávio Paz. Para ele os sentidos nos comunicam com o mundo e, simultaneamente, encerram-nos em nós mesmos: as sensações são subjetivas e indizíveis. O encontro erótico começa com a visão do corpo desejado. Vestido ou desnudo, o corpo é uma presença, uma forma que, por um instante, é todas as formas do mundo. Mal abraçamos essa forma, deixamos de percebê-la como presença e a temos como matéria concreta, palpável, que cabe em nossos braços e que, não obstante, é ilimitada. Ao abraçar a presença deixamos de vê-la e ela própria deixa de ser presença. Dispersão do corpo desejado: vemos só uns olhos que nos miram, uma garganta iluminada pela luz de uma lâmpada, o brilho de um músculo, a sombra que se avizinha. Cada um desses fragmentos vive por si só, mas refere-se a uma totalidade do corpo. Esse corpo que logo se tornou infinito. O ser que deixa de ser uma forma e converte-se numa substância disforme e imensa na qual, ao mesmo tempo, nos perdemos e nos recobramos. Nos perdemos como pessoa e nos recobramos como sensações.Também é a experiência da perda da identidade, dispersão de formas em mil sensações e visões, queda numa substância oceânica, evaporação da essência. Mistura da terra com o céu, a grande e deliciosa subversão!

“... na sua boca o Amor era tão doce, tão doce e ecoava pela eternidade”. Poema “Pétalas.

A autora lança mão também de suas habilidades artísticas e faz da palavra instrumento de denúncia social, de revelação das mazelas que assolam a sociedade incluindo aí também (o capitalismo contemporâneo que mercantiliza até as nossas almas), de que são exemplos os poemas “Pós-moderno”, “Reciclar vidas” e “Ratos e restos da infância”

Para esta poeta, o amor é a representação de tudo: o lugar, a síntese da realidade corporal, a terra em que vive, os lugares por onde anda, cidades, ruas. Enfim o amor não é direcionado exatamente a um ser, mas a tudo que a rodeia”. Neste sentido, sua interpretação profunda sobre o amor nos diz que o mundo, criação do infinito amor absoluto, é a morada dos homens e, como tal, lugar em que o confronto com as diferenças ou com o outro deve ser transformado em encontro, senão de amor (no sentido pleno), pelo menos, de tolerância e de respeito, sentimentos que também espelham a “lei” do amor. No poema “Singular” a autora exprime como plantou, adubou e colheu as flores de seu “Jardim de plurais” em 118 poemas:

Recolher, adormecer, esconder do frio, / até sentir o sol da primavera / e poder rever as cores das flores, assim esquecer as dores de um amor, / houve um verão. / Falas do amor em versos, / entre tantos plurais, / e no entanto um amor tão singular...”

Livro: Jardim de plurais – Poesia, de Alice Yumi Sakai. Coleção Poetas essenciais; V. 1. Editora Laranja Original, São Paulo, 2017, 156p. ISBN 978-85-92875-08-4

(*) Krishnamurti Góes dos Anjos. Escritor, pesquisador, e crítico literário. Autor de: Il Crime dei Caminho Novo – Romance Histórico, Gato de Telhado – Contos, Um Novo Século – Contos, Embriagado Intelecto e outros contos e Doze Contos & meio Poema. Tem participação em 22 Coletâneas e antologias, algumas resultantes de Prêmios Literários. Possui textos publicados em revistas no Brasil, Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Panamá, México e Espanha. Seu último livro publicado pela editora portuguesa Chiado, – O Touro do rebanho – Romance histórico, obteve o primeiro lugar no Concurso Internacional - Prêmio José de Alencar, da União Brasileira de Escritores UBE/RJ em 2014, na categoria Romance.


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