Entrevista Daniela Athuil - Livro Acontece no corpo.
Daniela Athuil é carioca e vive em São Paulo. Psicanalista e poeta, já participou da antologia Haja-nos! (2017), organizada por Tiago Novaes, e faz parte do coletivo de escritores Visceralistas. Daniela lança, no dia 11 de novembro, o livro de poesias Acontece no corpo (Laranja Original).
Daniela, um dos primeiros poemas do livro, "Metabolir”, nos dá uma ideia do seu processo criativo quando diz: “Levo horas, às vezes dias para me recuperar de um poema parido”. Você compreende a escrita como um processo de gestação, no qual é necessário o tempo de formação do texto?
O corpo é testemunho ativo da formação do sujeito, desde cedo, antes da fala. Abriga a palavra em seus acontecimentos corporais. Criar é fazer nascer algo, um corpo, uma coreografia, um texto. - _O tempo é o tempo do corpo, que irrompe com o poema. O corpo interpela, demanda, depois vem a escrita. - Assim acontece em mim.
Você faz parte do coletivo literário Visceralistas, gostaria que falasse um pouco da importância de participar de um coletivo artístico.
O Coletivo surgiu do encontro de pessoas que se conheceram num curso de escrita criativa e que queriam trabalhar seus textos, publicar e compartilhar ideias a respeito da literatura. O processo coletivo foi fundamental para abrir a gaveta dos meus escritos. Timidez e medo da exposição eram questões que me perseguiam. O curso foi fundamental, e o coletivo foi o pontapé, o começo de tudo, nos desavergonhamos juntos. Escrevemos muito nos dois primeiros anos. Obsessivamente. Com a pandemia o espaço interno (e externo) de cada um mudou muito, de forma que decidimos dar uma pausa, mas a amizade e o afeto continuam muito fortes entre a gente. Ganhei amigos para a vida toda.
Conte como foi o processo de escrita de Acontece no corpo.
Quando conheci o Marcelo Ariel e compartilhei com ele meus poemas, ouvi: você tem um livro. A partir daí o que era uma vontade e um desejo tímido foi ganhando corpo, começou a andar, a falar e não tive mais controle do filho. Mas ele é uma mescla temporal de escritos, que falam de experiências muito variadas e marcantes que em algum momento pediram existência fora de mim. Maternidade, natureza, Psicanálise, separação, perdas, música...
O poema “Fogo Lento” traz o alento que encontramos ao estarmos próximo da natureza.
Aqui se tem a sorte
Do pé descalço encontrar a terra
Do tempo não marcar hora
De agora durar infinito
Você, que mora em São Paulo, sente essa necessidade da vida mais calma, de focar apenas no momento presente e do contato mais próximo com a natureza?
Minha infância foi muito conectada à natureza. Meus avós moravam em Itatiaia, Serra da Mantiqueira. Eram donos de um hotel numa região que depois virou Parque Nacional. Esse hotel ainda existe e quem administra é minha mãe e meu irmão desde que meus avós faleceram. Passava todas as férias lá e cheguei a morar no hotel dos 11 aos 15 anos. Fui uma adolescente muito introspectiva, vivia no meio do mato, guiando hóspedes nas trilhas. Meu joelho vivia ralado e até hoje é cheio de cicatrizes por causa dos escorregões nas pedras das cachoeiras. Não poderia ter tido melhor experiência na infância e na adolescência nesse sentido. Ter essa abundância de mata, de água, de ar puro desde pequena. Acho que via muito mais bicho do que gente naquela época.
Também é fácil notar em outros poemas essa questão da natureza. Como em “A escrita vem depois”:
Guardar a palavra
Esperar na calçada
O verde se abrir
Verbo maduro
No jardim do tempo
Eu gosto dele e da expressão “Esperar na calçada”. Coisas do cotidiano, como essa, inspiram a sua escrita?
Fiquei tão impregnada dessa exuberância toda de Itatiaia que onde quer que esteja eu vejo natureza. Então tudo me inspira porque meu olhar é viciado, sempre busca um verdinho. Se não tem, invento na poesia.
Como a poesia surgiu em você?
Ela chegou em mim por alguns caminhos. A imagem mais forte que tenho do meu pai é dele sentado na mesa da sala no meio de um monte de livros. Minha casa era um caos de livros espalhados por todo lado. Muitos deles hoje enchem minha casa, ainda com aquele selinho da livraria na primeira página, com preço e tudo. Sodiler era a predileta dele. Como não ser marcada por isso? E muita música. A vitrola estava sempre tocando. E o ballet. Aprendi a falar com o corpo antes mesmo de ler e escrever. Eu era a terceira filha, e tinha uma idolatria pelos irmãos mais velhos. E por querer fazer tudo o que minha irmã fazia, minha mãe me colocou no ballet muito cedo. As coreografias, a música, aquilo era poesia, né? E depois descobri que meu pai era amigo da Adélia Prado e conhecia Guimarães Rosa, por serem diplomatas, e de quem ganhou uma dedicatória linda no livro Sagarana.
No poema “Às que atravessam desertos e pântanos”, você sugere que a p