Entrevista Laura Carrillo Palacios - Livro: Fragor
Laura Carrillo Palacios (Burgos, Espanha, 1993) é uma psicóloga especializada em género e migrações. Autora de várias investigações sobre a temática do tráfico humano e das pessoas refugiadas por motivos de gênero ou orientação sexual. Viveu na Bélgica, Bulgária e Mauritânia, onde pôde unir a psicologia com a ajuda humanitária. Em 2020, publicou El Baile de Los Girasoles, o seu primeiro livro de poesia, na editora espanhola Gato Encerrado. Nesse mesmo ano, ganhou o prémio no concurso de Arte Jovem: Jovens Artistas de Castela e Leão com o livro de poesia Las Mil Lunas de Mauritânia. Lançará no dia 15 de junho, às 15h, pelo canal do YouTube da editora Laranja Original, o livro de poesias Fragor.
Laura, o seu trabalho como psicóloga especializada em género e migrações é muito bonito. Me fascinou a sua experiência em Mauritânia, país do noroeste da Àfrica, com mulheres que sofrem violências brutais como a mutilação genital. Conte-nos um pouco sobre como essas vivências influenciam a sua poesia.
Muito obrigado, Renata, pelo seu interesse no meu trabalho. A verdade é que o fato de me dedicar à saúde mental no campo humanitário me ofereceu muitas oportunidades de aprendizado em diferentes áreas da minha vida, o que teve um grande impacto nos meus escritos. Por um lado participei de pesquisas psicossociais e na redação de artigos sobre grupos em situação de vulnerabilidade, com especial ênfase em mulheres e migrantes. Por outro lado uma voz poética emergiu há anos quando as realidades que conheci transcendem e despertam tantas emoções e certezas. Indo mais longe, acredito que o despertar espiritual que pode ser observado em alguns dos meus poemas é o resultado da lágrima que experimentei quando vi a injustiça e a crueldade deste mundo ao olhar através dos olhos desses sobreviventes da violência com quem trabalhei. Primeiro, foi a dor. Então a percepção de que essa dor não ia ajudar nada, nem para os outros, nem para mim mesmo; a cura é um processo muito longo e para mim faz sentido se for abordado não só do plano psicológico, mas também do espiritual. Quando a sabedoria do Todos Somos Um eclodiu em mim, comecei a interpretar a vida de uma maneira diferente. Menos da cabeça, longe do meu ceticismo habitual, e mais do próprio Eu. Muitas vezes eu esqueço essas lições, eu me enrosco novamente na agitação da mente e eu tenho que me reconectar. Além da meditação, ler e escrever me ajudam muito. A poesia é o grito da alma que nos desperta do sonho em que mergulhamos.
Fragor - um ruído, um estrondo, um grito. O seu livro é um desabafo dos tempos atuais que nos geram tantas complexidades, resumindo-se bem na palavra “Fragor”?
É uma pergunta muito boa. A sério, acho que é um excesso de tudo. Como disse, vivemos em tempos complexos, mas quando foram fáceis? Não há dúvida sobre o que acontece à nossa volta nos afeta e, se a nível cognitivo o interpretarmos negativamente, as reações emocionais e comportamentais que surgirão serão possivelmente dolorosas e não muito adaptáveis. No entanto, mesmo nas ocasiões em que tudo parece bem, a nossa mente gosta de boicotar essa paz e de procurar continuamente problemas. É preciso gerar pensamentos bons, deixar de encontrar complicações e propor possíveis soluções. Se tudo está bem como está, a sua própria existência está em jogo. Este barulho é o que quero dizer. O ruído mental que nunca cessa, até que finalmente o faça. Então, uma ruptura com o ego ocorre, o rugido emerge, o grito da alma que mencionei antes. Depois dele, verdade e calma. Fragor surge para dar voz a tudo isto, como uma continuação natural do livro de poesia Silente, de Sandra Santos. Sandra e eu nos conhecemos há muito tempo e sempre vimos como havia um contraste entre a poesia dela e a minha. O dela é sutil e delicado, e o meu sempre foi mais alto e mais barroco. Queríamos oferecer esta polaridade ao leitor. No entanto, percebi, enquanto escrevia, que também havia uma evolução na minha poesia. Em momentos de caos mental, a minha poesia era ruído, ruído, mas naqueles em que a minha mente alcançou uma maior ligação com o Universo, com o Único, com o Todo, também se tornou mais calmo e silencioso. Sofri e apreciei esta evolução.
O seu livro abre lindamente com a frase: “A Ele, que o amor encarna”. Fale sobre ela?
Esta frase é uma dupla dedicação. Foi escrito com o meu parceiro de vida, que me ensina todos os dias sobre o amor no reino do casal da forma mais doce possível. Mas não estou apenas a dirigir-me à sua pessoa, mas ao seu Ser, a parte sagrada que abriga e coleciona o verdadeiro amor. Não só o terreno e o familiar, mas o AMOR com letras maiúsculas para todos os seres do mundo. Esse amor não pode ser encarnado num nome próprio, mas no próprio Ser. Nele.
Um dos trechos do seu livro me emocionou bastante e me lembrou a filosofia budista:
“É quando a maré da vida nos faz balançar, na sua
dança incerta, que as melhores coisas nos começam
a acontecer. No entanto, se a dor não atingir o tutano,
a roda de samsara recomeça, até que a tempestade
arrase tudo.
Debaixo da terra, a calma absoluta”
É sobre saber lidar e encarar o sofrimento como forma de amadurecimento para enfim um possível encontro com a paz e sabedoria? Fale um pouco sobre a sua inspiração nesse trecho?
Este trecho diz respeito a tudo o que mencionei acima. Quando sofremos e, de alguma forma, esse sofrimento nos obriga a decompor-nos para continuar, podemos receber certas revelações e apreciar a existência de uma forma mais fluida e saudável. Estamos mais receptivos para coisas especiais acontecendo, ouvimos mais a nós mesmos, aos outros, à natureza. No entanto, tudo é temporário. Quando começamos a nos sentir melhor, embalamos a concha humana novamente e enterramos muitas lições aprendidas. Não significa que não aprendemos nada, mas esquecemos a coisa mais importante. Respire. É preciso estar, ser. Amadurecer ajuda-nos a encontrar momentos de paz e sabedoria com mais frequência. Embora no livro eu fale de Verdade e Calma como um lugar definitivo para chegar depois de todo o processo de lidar com o sofrimento, a realidade é que muito poucas pessoas conseguem alcançar esse estado de nirvana. A maioria de nós só pode vislumbrar de vez em quando pequenos momentos de iluminação, que desaparecem novamente, consumidos pela ilusão da vida. Mesmo assim, acredito que devemos sempre caminhar com esse olhar consciente, fazendo do Amor o caminho e o destino.
Outro trecho que me marcou bastante foi:
“Germinei sementes em forma de canções e sorrisos que outros me deram”
Me invoca a fase da evolução do ser, quando ainda não estamos prontos a seguir por nós mesmos sem que injetem sonhos na gente. Acha que nos roubam a alma quando deixamos que ditem regras?