O escritor Filipe Moreau nos apresenta neste seu novo livro de crônicas, contos e relatos poéticos, textos que trazem certo hibridismo que os aproxima da poesia e da ficção de caráter fortemente filosófico com pendores sócio-históricos que estimulam a fruição. Exemplo disso é a crônica “Pensamento político”. Inicia-se com reflexões sobre as reais possibilidades de se levar “uma vida poética num país como o Brasil”, e acaba por resvalar para o nosso sentir amoroso em sua concepção mais profunda:
Puderam ver o mar, o grande mar que se estende por essa faixa em que outrora habitavam os seres nativos, não tão exclu- sivamente, posto que o mar em si já transporta informações genéticas por todos os cantos. Assim mesmo, um simples banho resgata as peculiaridades transcendentes, purifica a alma, faz ver que o maior dos amores é interior aos seres, e que lá dentro habitam mutuamente ele e ela, dentro dela e dele. Enquanto caminham em seus trabalhos, um sente estar perto do outro.
Referimo-nos a pendores sócio-históricos. Que dizer, que pensar de um trecho como este da crônica “O país dos caranguejos” tão revelador de nós mesmos?
Caranguejos saem das tocas na inversa razão do novo. Só quando não há aparentemente nada que não seja o movimento do vento, das marés e do sol eles saem. E saem para uma continuidade do que não constroem, apenas perpetuam. Para eles é como se houvesse um rito de primeira criação, que eles imitam. A ordem natural das coisas é cavar túneis, alimentar-se, acasalar-se e crer que as novas gerações farão o mesmo.
Há crônicas de um lirismo tocante, como “A morte da avó”, “Explorando uma mitologia”, “Abelhinha”, “Ilha” e “Início de namoro”. Mas é quando lida com a memória criativa como matéria-prima de suas crônicas que o autor obtém os melho- res efeitos. Crônica “Terra sem mal”:
Não me lembro de outra jornada. Mas ainda vale, como meio termo entre ser e imaginar, a possível mensagem da memória inconsciente, das andanças da infância que vemos de perto quando lemos experiências alheias, nos lençóis d ́água.
Tudo se transforma em passado. É uma das conclusões a que chega o autor. É verdade; mas o que seria da aventura humana neste eterno passado-presente-futuro sem a memó- ria que nos coloca no topo da cadeia evolutiva, e que aqui se revisita atribuindo novos significados através da mudança da visão de mundo? É o maravilhoso poder que temos sobre a “grande dor das coisas que passaram” como escreveu Camões, e que a memória resgata a nos tornar seres únicos.
Krishnamurti Góes dos Anjos
escritor e crítico literário
top of page
R$60.00 Preço normal
R$36.00Preço promocional