Um referencial não é só um ponto de vista, mas um corpo inteiro feito e refeito em linguagem. Felipe Augusto investiga a poesia como quem desmonta uma maquinaria para ouvir o ruído das palavras — e nesse bagunçar metódico, o poema desponta. O léxico médico, os documentos oficiais, o jargão do trabalho, tudo vira matéria para uma escrita que sibila exame e palavrório.
O poeta funciona como uma caixa amplificadora do mundo: capta o som das ruas, dos corpos humanos e mais-que-humanos em movimento, dos aparelhos que medem a existência e a declaram normal ou desviante. Mas não há normalidade que resista às palavras comuns quando são rearranjadas — bucha paranga alva oval —, quando o inglês dos tratados vira sarro, quando um motoqueiro nunca é um motociclista. A linguagem, aqui, é um campo de investigação onde se disputam sentidos, onde cada diferença de sílaba é vital.
Há uma geografia pulsante nesses versos localizados: do asfalto ao cerrado, da cidade ao quintal, o poeta amplificador se desloca como um andarilho varginhense ou um galego perdido nas fragas. A mobilidade, às vezes, pode até ser reduzida pelas obrigações do trabalho, mas a pernada com as amizades é filosofia de vida. E no meio desse trajeto, o amor pode ser queda, piscina instalada na pedra, um convite ao desequilíbrio.
Aliás, o livro está cheio de convites: estar vivo e insubmisso, ser abolicionista das tecnologias do extermínio. A poesia passa de mão em mão como um engodo necessário. Referencial Adotado cresce nesse repasse da dúvida. É um livro que sabe: a única certeza é que certezas ruins sairão caras.
Julia Raiz
FICHA TÉCNICA
Poesia
Páginas: 64
Formato: 13,5 x 20 cm
ISBN 978655312004-4
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R$55.00Preço
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