Gotas de Vinagre
Há na língua portuguesa palavras que derivam de um processo de composição por aglutinação nas quais ocorreu a sua formação a partir de duas ou mais palavras. Tal é o caso do substantivo “Vinagre” que deriva do latim vinun – i, vinho + acer (latim), acris, acre, agudo, picante, ardente. Na prática tanto pode significar o líquido resultante da fermentação ácida do vinho, e que é usado como condimento, como também (num sentido figurado), aquilo que conhecemos como coisa azeda, ácida, que tem um tom crítico ou mordaz.
“Vinagre” é também o título do mais novo livro do poeta (que é também tradutor), Alexandre Barbosa de Souza, que possui ilustrações de Rafael Campos Rocha. Editado pela editora Laranja Original, o pequeno volume de cuidadosa edição gráfica, nos deixa entrever um autor que reabilita o verso e o sentimento lírico por excelência, fazendo de tais recursos instrumentos de denúncia social.
O processo de engano e alienação provocado pela estrutura social capitalista é um dos elementos centrais da crítica poética efetuada por Barbosa que observa concretamente o significado do caráter desumano e desumanizante a que estamos submetidos, no qual o cálculo econômico é o que reifica as relações entre os homens operando além de crassos equívocos, todo tipo de desajuste moral. Eis a dimensão social da poesia construída num lirismo demolidor e crítico cujo tema centra-se na “massa de manobra” em que se transforma a população. Vejamos o soneto sem título impresso na p. 12 da obra.
“Enquanto à tripa-forra à banca sobra,
A turbamulta furiosa se atraca,
Tamanho ranço da massa de manobra,
Que a tropa sangra ao preço da catraca.
A plebe da estiva virou sócia
Das docas à fronteira agrícola
É bucha de clique dos escroques,
Da malta que blinda o anestesista.
Os donos da vida, reis das notas frias,
Que sirvam de claque ao choque,
Aos torpes barões azuis marinhos;
Maldito valhacouto de rentistas!
A nós só interessa a debacle
Do privilégio patrimonialista.”
(O escritor, poeta e tradutor: Alexandre Barbosa de Souza)
Em outros poemas, vemos se acentuar o valor semântico individual de uma dada palavra. Exemplo: há dois poemas em que a palavra “flor” aparece configurando o que nos parece um ideal, cujas condições materiais de existência constituem a raiz mesma da flor. Na p. 51, última estrofe do poema, lê-se: