Entrevista Daniel Knight - Livro: Ninguém nesta família morre de amor.
Daniel Knight, radicado em São Paulo desde a adolescência, nasceu em Guaxupé, sul de Minas Gerais, em 1988. Bacharel em Letras pela USP, fez parte da equipe inaugural da editora Tordesilhas (2011-2012) e traduziu, dentre outros títulos, Um amor de Swann, de Marcel Proust. Escreve em inglês, francês e português.
DK lançará pela Laranja Original, a partir das 19:30h de 10 de dezembro (não por coincidência, aniversário de Clarice Lispector), o romance Ninguém nesta família morre de amor, parte da trilogia A ateia. O evento ocorrerá on-line, no canal da editora no YouTube.
Daniel, nas primeiras páginas do seu livro o leitor já é avisado: “A ateia é uma única história esparramada em três romances, uma trilogia desmontável, que pode ser lida em qualquer ordem”. Fica, realmente, a vontade de ler mais. Conte um pouco sobre essa ideia de trilogia que pode ser lida, inicialmente, por qualquer volume.
Ninguém nesta família morre de amor se concentra, sobretudo, na relação da narradora, Julia, com a mãe, já idosa ou quase. O volume seguinte passará a voz narrativa para a irmã da Julia, Isis, no dia da morte da mãe. O terceiro volume tratará da juventude da mãe.
Fiz com que a trilogia fosse “desmontável” porque tive medo de que ninguém se propusesse a ler um romance de 500 páginas de um ilustre desconhecido e de que, talvez, eu não conseguisse encontrar uma mesma editora para publicar os três volumes; portanto, não ler um deles não deveria atrapalhar a leitura dos outros. No entanto, é possível que a estrutura fosse a mesma ainda que eu tivesse começado a escrever já com contrato assinado. Quanto menos estanque for o texto, melhor.
O seu livro nos mostra um personagem central feminino com muitas questões sobre a sua própria identidade e a maternidade – tanto em relação com a sua mãe como a relação com a sua filha. Como foi encarar um personagem com questões tão femininas?
Divertido, desafiador e frustrante, como encarar qualquer personagem. Para mim, escrever como mulher sendo homem é fundamentalmente um recurso literário. Poderia ter escrito como uruguaio sendo brasileiro ou como marciano sendo terráqueo. Tudo depende do jogo de verossimilhança – é uma mulher crível, é um marciano crível? Isto posto, não me eximo de responsabilidade em relação aos meus personagens, muito menos aos grupos socioculturais por eles acionados. Ou seja, se vou escrever sobre um indiano de mentira, seja na primeira ou na terceira pessoa, me sinto obrigado a não reproduzir estereótipos negativos, racistas ou reducionistas sobre indianos de verdade.
A relação mãe e filha nos é mostrada de uma forma interessante. Nos faz questionar a obrigatoriedade que a vida já nos impõe de amar nossos pais, mesmo que não haja tal sentimento. A sua personagem assume isso sem a menor culpa. Fale sobre isso.
Acho que escritor tem obrigação profissional de expor tabus e de tentar buscar aberturas possíveis para discussões e reinterpretações desses tabus. É o nosso juramento de Hipócrates, sempre falar “pera aí” quando alguém aparece com uma verdade mais contundente que a previsão do tempo.
Quanto à personagem assumir sem culpa que não gosta da mãe, discordo da sua leitura, que permanece totalmente válida. Para mim, Julia se remói em culpa, por isso não consegue cortar os laços com a mãe. Ela acredita no tabu. Ou não acredita, mas tampouco consegue superá-lo. Quem tenta superá-lo, mais por raiva que por consciência e autoconhecimento, é a irmã.
Deixo aqui uma das frases do livro que me tocou – “Quem nunca quis o impossível perdeu uma das experiências que distraem a morte.”. Acha que enganamos a morte quando estamos envolvidos nos planos de realizar desejos?