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Entrevista Rami Saari - Livro: Por baixo dos pés da chuva.





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Rami Saari é um poeta e tradutor israelense. Sua carreira é marcada por traduções de dezenas de obras em várias línguas e pela publicação de sua própria poesia. Doutor em Linguística Semítica pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Recebeu em Israel o Prêmio Tchernikhovsky e o Prêmio do Primeiro Ministro para Obras Literárias. Esse ano, Rami lançou o livro Por baixo dos pés da Chuva, com apresentação do professor Moacir Amâncio, e editado pela editora brasileira Laranja Original.


Rami, você traduziu dezenas de obras de várias línguas para o hebraico e agora vemos sua própria poesia sendo traduzida para o português. Como é a experiência de ver suas palavras viajando por idiomas e culturas distintas? É uma experiência que me enche de alegria e entusiasmo, já que em muitos lugares se fala da morte da literatura em geral e da poesia em particular. Meus poemas foram traduzidos antes para outros idiomas, e isso aconteceu em uma época em que ainda existiam festivais internacionais de poesia, subsidiados pelos países que os organizavam para enriquecer a cultura local e global. Mas na era do Zoom, tudo isso já mudou bastante... No entanto, oito antologias de minha poesia foram publicadas nos últimos anos: quatro na Grécia, uma na Albânia, uma na Espanha, uma na Finlândia e agora este livro no Brasil. Fico muito feliz em saber que, dessa forma, minha poesia é acessível a leitores em países cuja cultura em geral e literatura em particular me interessam muito, a ponto de dedicar muitos anos à sua tradução para uma das línguas oficiais do meu país, o hebraico.


Sua poesia, escrita em hebraico, aborda uma ampla gama de temas e cenários. Como sua experiência multilíngue e multicultural influencia sua escrita? De muitas maneiras e de muitos modos. Tendo estudado vários idiomas desde jovem, vivido em muitos países, aprendido sobre diversas culturas e conhecido pessoas de diferentes contextos linguísticos, culturais e religiosos, e com grande variação relacionada às suas experiências vitais, históricas e opiniões sobre temas sociais e políticos, cheguei em uma idade relativamente jovem a entender a diferença entre a verdade e a propaganda, a importância da tolerância e o significado de abrir as janelas fechadas da mente para que as pessoas cegas deixem para trás, pelo menos parcialmente, suas ideias equivocadas sobre a superioridade e o valor máximo de sua própria identidade. Sou a favor de um mundo onde as diferenças são respeitadas e onde se compreende o valor de cada cultura, mas um universo que é apenas um povo global, onde as diferenças são apagadas em favor de uma superficialidade vazia de conteúdo e uma falta nefasta de propostas futuras, me parece uma das piores pesadelos de nossa atualidade.

Como a literatura e a poesia apareceram na sua vida? Quais são suas principais influências? A literatura em geral e a poesia em particular apareceram em minha vida desde a infância, porque em casa havia muitos livros em vários idiomas. Sendo bilíngue desde a infância, isso também teve impacto na minha forma de crescer e ver as coisas, de entender que sempre existem várias maneiras de olhar para a mesma coisa, e que as diferenças na expressão não significam quase sempre riqueza mental. Venho de uma família tradicional, mas não religiosa, conservadora, mas não intolerante, multicultural, mas não globalizada. Quanto às principais influências, posso apontar a Bíblia, a poesia hebraica de todas as épocas e, ao longo dos anos, com cada novo idioma que decidi aprender, mais poemas, mais poetas, mais visões interessantes e fascinantes entraram no meu mundo, conseguindo mudar até certo ponto minhas próprias visões e preferências sobre o que é bom, bonito e verdadeiro na expressão poética.

Qual é a importância da tradução literária na sua visão e da comunicação entre culturas? Considero a tradução literária um dos mecanismos mais importantes para abrir a mente humana, provocar um verdadeiro interesse pelo estranho, construir uma sociedade mais aberta, humana e justa. Sem conhecer a maneira de viver de outras pessoas em outros países, ficamos presos apenas ao nosso próprio cordão umbilical. Apesar da importância de nossas raízes e do respeito que sinto pelas árvores, o ser humano não é uma árvore, e se as raízes se tornam esposas e correntes, é melhor deixá-las para trás, embora não seja necessário esquecê-las completamente. Construir pontes culturais entre povos e países é uma tarefa importante. Tomara que a detestável comercialização dos valores humanos não transforme completamente essa tarefa em um canto do passado que hoje em dia já não signifique nada para as próximas gerações.

Conte-nos um pouco sobre "Por baixo dos pés da Chuva". Este livro é uma antologia bastante ampla da minha poesia, embora não inclua poemas escritos e publicados nos últimos dez anos. Mas considerando que meu primeiro livro foi publicado em 1988, "Por baixo dos pés da Chuva" representa fielmente uma grande parte da minha poesia escrita e publicada dos 25 anos até os 50 anos. Os poemas foram traduzidos e redigidos com talento, sensibilidade e precisão, e ao ler o resultado, acredito que o conjunto serve efetivamente como um bom espelho para os poemários originais escritos e publicados em hebraico em Israel. Eles expressam de maneira franca e digna as experiências vitais de uma pessoa que sempre teve que lutar pelo que queria e acreditava, mas, apesar do preço alto que teve que pagar, não levantava as mãos, continuava fiel à sua fé, aos seus valores e à sua insistência em fazer o que considerava bom, correto e justo. No entanto, a totalidade não é um diário poético narcisista que se concentra apenas em experiências pessoais, mas também um olhar curioso do espectador disposto a se encontrar face a face com a magnífica, embora às vezes também alarmante e até horrível face da realidade.

A sua poesia se estende por uma variedade de cenários culturais, incluindo o Brasil. O que mais o atrai na cultura e na literatura brasileira? Há muitas coisas no Brasil, em sua gente, em sua cultura e em sua literatura que me atraem. Me fascina a rica combinação que existe entre o antigo e o atual, entre o velho e o contemporâneo, entre o unilateral e o multifacetado. Adoro muitos dos escritores brasileiros que tive a sorte de traduzir, como Ronaldo Correia de Brito, Andrea del Fuego, Luiz Ruffato e Jorge Amado, mas há muitos mais que ainda não pude traduzir e espero fazê-lo algum dia, como Caio Fernando Abreu, Adélia Prado, Milton Hatoum, Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz.

Você já traduziu Fernando Pessoa, como foi essa experiência? Foi uma experiência muito interessante: ganhei uma bolsa da Fundação Gulbenkian que me permitiu passar vários meses em Lisboa, e durante minha estadia lá, vivi em um bordel onde havia alugado um quarto sem saber que era um bordel, apenas por sua relativa proximidade à Biblioteca Nacional de Portugal. A escritora e jornalista portuguesa Alexandra Coelho fez uma entrevista comigo durante minha estadia na capital lusitana (https://drive.google.com/file/d/1pHZyxBEahxrQVGFQqnaEOTPrSgkgLC6f/view?pli=1), e agora, depois de muitos anos, cumpri com a missão original ao publicar em Israel uma tradução minha de 33 obras de Pessoa em prosa, após vários livros de Pessoa que traduzi em colaboração com Francisco de Costa Reis, o português residente em Leiria que também se encarregou de traduzir muitos de meus poemas para sua língua.

Você poderia compartilhar conosco um trecho de um de seus poemas que melhor represente sua visão poética e suas experiências multiculturais? Neste aspecto, prefiro algo menos pessoal e mais universal. Talvez este poema pessimista e otimista ao mesmo tempo seja o melhor exemplo que posso dar, representando ao mesmo tempo minha experiência de vida e nosso tempo atual. "Um discurso da minha vizinha Embora prefira chamar 'efeito estufa', estas vagas de calor são a menopausa da Terra. Vês em mim o que vem depois: a velhice e a morte. Mas entretanto há muitos entretantos e um manjerico verde que se aguenta no vaso do terraço do verão."

Rami, muito obrigada pelo seu tempo e pela sua poesia! Deixe um trechinho de "Por baixo dos pés da Chuva" que você mais gosta? “Na grande corrida a alma sobe, desce e volta a subir.”


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